sábado, 27 de abril de 2019

'Manspreading'

Acredito que grande parte de vós já tenha ouvido falar do chamado manspreading, o fenómeno de os homens, ao sentarem-se em transportes públicos, abrirem demasiado as pernas, por vezes ocupando até dois lugares. Ora, por muitos esta atitude é considerada um exemplo da masculinidade tóxica; isto é, do homem em causa tentar mostrar que é “macho”, oprimindo a liberdade feminina. 

A primeira vez que eu ouvi falar deste termo, foi na FLUL, no segundo semestre do primeiro ano (2018, portanto). Esse meu colega tinha entrado numa turma de determinada disciplina, com uma professora que andava a falar disso nas aulas. E curiosamente, encontrava-se com receio, e com vontade de mudar de turma, pois sentia que ele, sendo do sexo masculino, e sendo mais velho do que todos os outros alunos (acima dos 30 anos), poderia vir a ser prejudicado, face à constante postura da professora. É aqui que se encontra o problema. Não tenho dúvidas de que o manspreading é real, e muitas vezes usado por pessoas que tentam compensar algo. No entanto, trata-se de casos pontuais. E em vez de perguntarmos a razão de tal acontecer, começamos a generalizar este ato, e a incitar ódio. E depois acontecem situações como esta acontecem ( já agora, reparem no teor pornográfico do título).

Eu decidi perguntar-me porque razão por vezes tenho vontade de ter as pernas abertas quando me sento, outras não. Por que razão a minha ideia generalizada e tradicional de um homem é a de o ver com pernas abertas (mesmo sem chegar ao extremo do manspreading), e das mulheres de  pernas fechadas ou cruzadas. Noutros termos, porque é os homens se encontram geralmente com uma postura corporal mais aberta do que as mulheres? Se começarmos a pensar desta maneira, em vez de partirmos logo para “o homem machista quer oprimir a mulher”, encontramos outra perspetiva para a situação, uma perspetiva que nos abre muito mais os olhos.

É sabido cientificamente que quando estamos relaxados, sem tensões, divertidos, presentes, o nosso corpo abre-se, expande-se; e quando estamos nervosos, ansiosos, tensos, o nosso corpo fecha-se (uma reação normal do corpo, como o expandir da caixa torácica, alongamento da coluna, entre outros exemplos). Assim, é normal que estando eu, indivíduo do sexo masculino, confortável e “bem com a vida”, adote uma perspetiva mais relaxada e aberta, o que pode significar que eu tenha as pernas mais abertas. Ora, se estiver mais nervoso, dependendo até da situação ou das condições que me são apresentadas, adotarei uma postura corporal mais fechada, que pode incluir fechar as pernas, ou cruzá-las. 

Como é que isto se traduz nos dois géneros, em contexto social? A noção geral é de que os homens se sentem mais à vontade no dia a dia, isentos de grande parte dos perigos que pairam sobre a mulher. De facto, desde muito cedo que as mulheres são aconselhadas a assumir comportamentos de modo a diminuir as hipóteses de serem molestadas. E isto é algo que muitos homens não têm presente, quer relativamente a mulheres que não conhecem, a amigas ou à namorada/esposa.  

Por exemplo, o National Sexual Violence Resource Center, numa das várias estatísticas constata: “One in five women and one in 71 men will be raped at some point in their lives”. Uma estatística alarmante e que dá que pensar. Penso, por exemplo, na minha primeira namorada, que foi assediada de dia numa paragem de autocarro, e apalpada à noite num bar, ou noutra amiga que também foi apalpada à saída de um bar. Na altura, uma pessoa pode pensar, foi algo pontual, foi mau e estúpido, mas foi algo pontual. No entanto, cada vez mais nos vamos apercebendo de que estas coisas são uma constante que atormenta as mulheres há séculos. A preocupação constante de não ir por aquele lado porque está escuro, de não ir a tal sítio por ser perigoso, de não usar determinado vestido (que adoro!) porque pode incitar algum homem a ter um comportamento violento. E assim nós homens cada vez mais nos apercebemos, pois, de que a nível mais ou menos consciente as mulheres vivem em permanência com a assustadora ameaça de serem violadas, porque a nossa sociedade não respeita os seus corpos.  

Porém, apesar de este facto ser incrivelmente horrível, não acredito que seja através de generalizações e da incitação ao ódio que alguma coisa poderá mudar. Porque o problema de generalizar é que torna fácil o ataque aos movimentos feministas bem-intencionados. Seguido o vídeo desta ativista russa, vieram reações por parte do governo onde defendiam a criminalização do Feminismo, como podem ver aqui.

quem defenda que talvez tenha sido o próprio governo a fabricar este vídeo de propósito não só para esta descredibilização, mas para nos manter em conflito, para não trabalharmos juntos para o mesmo objetivo. Falso ou não, conseguiu incitar as respostas violentas contra o feminismo, que referi anteriormente, e mesmo contra a ativista em si.


Em suma, a generalização é um ato bastante perigoso, e que pode levar ao preconceito e a ataques não só a homens (como parece ter sido o caso documentado no vídeo em questão) e a mulheres, como aos próprios movimentos feministas bem-intencionados. Este tipo de generalizações gera violência e ódio. Em vez de generalizar, e começar a anunciar que todo os indivíduos do sexo masculino são maus, que fazem todos manspreading, ou seja, criar conflito entre os dois sexos, mais divergência, devemos focarmo-nos nas razões de as coisas serem assim e de as mulheres se sentirem tão ameaçado no seu quotidiano, e, sobretudo, naquilo que poderemos fazer para ajudar. Juntarmo-nos para lutar por uma sociedade de igualdade, onde ser homem seja a favor da igualdade e da justiça, reconhecendo os dilemas que afetam o sexo oposto e intervindo sempre que vê ameaças à segurança das mulheres ao seu redor. Ou, talvez utopicamente, para que se crie uma sociedade onde não haja necessidade de heróis, onde as mulheres se sintam seguras para levar a sua vida e serem elas próprias.

António Santos 150381 

1 comentário:

  1. Grata pela partilha da sua reflexão, António. De facto, ser mulher implica uma constante vigilância, por medo de as fronteiras do nosso corpo serem violentadas, seja por gestos, pelo olhar ou por palavras (os tais piropos que não são assim tão inocentes quanto julgamos). Sim, convirá ter uma atitude equilibrada relativamente a estas questões e procurar fontes credíveis (o tabloid 'Independent' não me parece propriamente ser uma delas), para juntos mudarmos o modo como concebemos o espaço social.

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