No excerto apresentado, Nicholas Mirzoeff procura definir o âmbito da
área disciplinar da Cultura Visual. Como tal, começa por nos apresentar o
objecto de estudo da mesma – aquilo que vemos e a relação que neste ato
estabelecemos com essas imagens – afirmando, no entanto, que o âmbito desta
disciplina é mais vasto e complexo. Estabelece, assim, que a Cultura Visual é
algo construído no seio de um regime visual, e que este define o modo como
agimos em sociedade. À partida, para que possamos entender as afirmações do
autor e, por conseguinte, o cômputo total da área disciplinar da Cultura
Visual, torna-se necessário destrinçar os conceitos que a compõem: Cultura,
Visão e o seu (objecto) Visual.
Em relação ao primeiro
conceito, Richard Howells define Cultura como um conjunto de textos multimodais
produzidos por uma sociedade (117). Esta abordagem de foro antropológico
implica imediatamente a questão de construção a que aludi anteriormente, visto
que os textos que são parte integrante do sistema de uma determinada cultura
são criados pelos membros da mesma, que são, simultaneamente, por ela moldados.
O mesmo autor afirma que, sendo esta definição de cultura baseada na existência
de textos, os mesmos deverão ser legíveis
por uma determinada comunidade interpretativa. No âmbito da Cultura Visual, o corpus de análise são, pois, os textos
visuais – que devem ser lidos criticamente, de modo a atribuir sentidos aos
referentes visuais que contêm. Enquanto sistema simbólico, a cultura constitui,
então, uma rede de relações estabelecidas entre textos que convivem e que se
influenciam mutuamente, gerando uma visão do mundo composta por vários diálogos
hermenêuticos entre textos (126).
Porém, para que possamos
falar de cultura visual é necessário que previamente se veja. Sendo um texto o
resultado da percepção que temos da aparência do mundo, e sendo a cultura um
conjunto de textos por nós produzidos, entende-se que só através da visão é que
surge a cultura. Segundo John Berger, em Modos
de Ver, ver é uma escolha, um modo de percepcionar o mundo, estabelecendo
com ele relações para que nele nos possamos posicionar. Esta escolha constitui,
pois, o “modo de ver” a que alude o título, apontando para a decisão que
realizamos na selecção, entre todos os objectos disponíveis, do que é para nós
visível num determinado espaço e tempo (18 – 47). Tendo esta definição em
conta, podemos afirmar que uma cultura não é, senão, uma construção do mundo num
determinado contexto espácio-temporal, que surge do modo como nos relacionamos
com este. A cultura é, afinal de contas, também ela, um modo de ver – é um
sistema de signos, construído pela sociedade para articular a relação que
estabelece com o mundo, dando-lhe um sentido.
No entanto, tal como afirma
Mirzoeff, este modo de percepcionar o mundo e as decisões por nós tomadas nas
relações que estabelecemos, implica não só o que escolhemos ver, mas também o invisível.
Assim, na criação dos textos que constituem um determinado sistema cultural estamos
a seleccionar aquilo com que, do total da nossa percepção, queremos estabelecer
uma relação, que iremos integrar na rede de relações por nós criada para
conhecer e explicar o mundo. Sublinhe-se, no entanto, que esta afirmação
implica dois factores: ao seleccionarmos algo, estamos a filtrar determinados
elementos que escolhemos não ver, e, enquanto indivíduo, somos apenas um ponto
em relação com um sistema que inclui o colectivo da sociedade.
Através das ideias que
tenho vindo a destacar, e das afirmações apresentadas, podemos então entender
que a cultura é uma construção subjectiva, sujeita a escolhas visuais. Se a visão
é uma escolha que fazemos para nos posicionar no mundo, ao realizarmos este
ato, colocamo-nos em relação com os outros. Por sua vez, também a restante
sociedade realiza esta escolha, lê o mundo – estabelecem-se, assim, infinitas
relações de visão, numa teia intrincada. Quer isto dizer que, sendo a visão uma
performance que realizamos em colectivo, e estando inseridos num sistema
cultural, as leituras que fazemos do mundo são determinadas pela informação que
temos ao nosso dispor. Esta informação é moldada pelo sistema e pelas suas instituições
e, por sua vez, molda o nosso modo de ver e influencia a forma como
interpretamos o mundo.
Assim, enquanto área
disciplinar, a Cultura Visual deve dotar-nos das ferramentas necessárias para
destrinçar esta teia, e os diálogos hermenêuticos a ela respeitantes, a
que me referi anteriormente. Se a cultura é um sistema de signos que nos
permitem conhecer o mundo em nosso redor, é imprescindível que tenhamos a
capacidade de os entender e interpretar.
Apenas através da
aquisição desta literacia visual temos a possibilidade de aceder à cultura a
que pertencemos de modo crítico, e de realmente nela nos posicionarmos enquanto
cidadãos. Sendo assim, e em conclusão, a Cultura Visual é imprescindível para que possamos desenvolver um agenciamento consciente no mundo a que
pertencemos.
Leonor Madureira
150360
Grata Leonor, espero que a sua partilha possa ser útil aos colegas.
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