terça-feira, 2 de abril de 2019

O que vestir às crianças


"Happy" é a nova linha de roupa infanto-juvenil lançada pela marca Zippy, no dia 03 de março. A coleção, que se assume como unissexo, tem sido vítima das mais variadas críticas, assim como acusada de erotizar as crianças usadas na campanha e de promover junto do público-alvo a ideologia de género.


Após as acusações que têm vindo a incendiar as redes sociais, a marca Zippy afirmou não estar associada a nenhum tipo de movimento LGBTI. Pelo contrário, com esta coleção pretende apenas facilitar a vida aos pais e proporcionar a oportunidade de as roupas transitarem dos irmãos mais velhos para os mais novos, para os primos e por aí fora.

Numa época em que assistimos a um consumismo crescente, e em que observamos as grandes marcas de roupa a queimarem os excedentes por não conseguirem vendê-los, a Zippy parece preocupar-se quer com o desperdício, quer com a crescente cultura de consumo.


Observamos, porém, uma orla mais conservadora da nossa sociedade a acusar a Zippy de tentar corromper as crianças, reunindo tais acusações sob a hashtag #DeixemAsCriançasEmpaz.

Assim sendo, deixo apenas alguns pontos para reflexão:
  • Recordar-se-ão estes pais, defensores da moral e dos bons costumes como vivíamos nos anos 1980, em que a maior parte das roupas, para além de confecionadas por mães e avós, passavam dos irmãos e primos mais velhos para as crianças mais novas?
  • Será tão criticável uma marca de roupa que se preocupa com as crianças e com a pegada ecológica?
  • Os pais conservadores reunidos sob a #DeixemAsCriançasEmpaz não deveriam deixar as crianças serem crianças, independentemente da roupa que vestem?
Quanto a mim, só me ocorre um pensamento. Nasci em finais de 1979, sendo que toda a minha infância se passou nos anos 1980 e no início da década de 1990. A maior parte da roupa que tinha era feita pela minha mãe, que tricotava no autocarro a caminho do trabalho as camisolas que eu usava, assim como aproveitava pedaços de fazendas para me fazer calças. Recordo ainda quão feliz ficava por renovar o guarda roupa a custo zero quando um primo vinha a nossa casa com roupa que já não lhe servia (e nesta década o poder de compra em nada se assemelhava ao fenómeno verificado hoje, por isso valiam-nos os irmãos e os primos mais velhos). Se tudo isso afetou a minha orientação sexual ou identidade de género? Não, de todo!


No meio destas polémicas sem pés nem cabeça, fica esquecido o essencial: deixarem as crianças serem crianças e aproveitarem ao máximo a sua infância, tão curta e efémera.Mesmo com roupas em segunda-mão ou feitas pela minha mãe, fui uma criança feliz. Vocês, colegas, sendo mais novos que eu, o que pensam de tudo isto?

Ricardo Falcato, 110789 

3 comentários:

  1. Boas Ricardo!

    Obrigada por partilhares esta reflexão tão interessante - ainda não me tinha cruzado com esta polémica, e é realmente absurdo perceber o modo como as pessoas reagem de modo tão inflamado contra assuntos destes. Concordo plenamente com o que dizes em relação a deixar as crianças simplesmente serem crianças, inclusive porque estes assuntos serão a última coisa nas suas cabeças. Penso que o problema central, e mais triste, é que são utilizadas como bode expiatório onde os pais e adultos em geral podem projectar as suas crenças e ideologias.
    E, quando se reflecte um pouco sobre isto, apercebemo-nos do conjunto de regimes de género que nos rodeiam desde que saímos literalmente do útero - desde as roupinhas coloridas de acordo com o género da criança, ao marketing de jogos e roupa direccionado especificamente a rapazes e raparigas - que não são senão mais projecções deste género. Aliás, arrisco dizer que muita da rigidez, confusão e receios que vemos rodear as cabeças de muitos jovens (especialmente, mas não só) em relação à sua identidade de género acaba por dever mais a estas projecções e segmentações supostamente organizadoras. Mas nunca por terem utilizado a camisola, ou a bicicleta, ou o que seja e de que cor seja, do irmão ou do primo.
    E é de louvar a Zippy por esta iniciativa, porque realmente a roupa não é nada mais do que uma ferramenta útil para cobrir o corpo - e especialmente nestas idades, algo que deve oferecer o maior conforto possível às atividades de uma criança.
    Obrigada pela partilha!

    Leonor Madureira (150360)

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  2. Estou totalmente de acordo, daí ter feito o post. Eu, que já fui criança há muitos anos, era feliz, pois podia ser criança, independentemente de as roupas que usava serem de primos ou confecionadas pela minha mãe.

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  3. É realmente curiosa a reação exacerbada dos pais relativamente a esta campanha. Parece-me, porém, que o motivo maior não será tanto a opção pela roupa unissexo (nada de novo, na verdade), mas antes o padrão e as cores usadas que remetem para a bandeira 'gay' (falando nos impactos de ecos cromáticos...).

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