terça-feira, 23 de abril de 2019

Novo 25 de Abril




Comecei a descontar para a “caixa” em 2003, assim que deixei de estudar e agarrei o primeiro emprego que me apareceu. Na altura, era gerente de livrarias, e muito mais bem pago do que hoje em dia, mas enfim, o pessoal precisa de comer e tem contas para pagar no final do mês. Comecei a trabalhar, com descontos, aos 22 anos, mas antes deitava mãos a tudo.
Aos 15 anos tive o meu primeiro emprego, numas férias. Trabalhei durante duas semanas numa colónia de férias que, então, já me pagava 20 contos de réis por duas semanas de trabalho a meio tempo. E daí para cá nunca mais parei. De operário fabril (sim, sem qualquer vergonha; se um homem – garoto – tem músculos há que trabalhar, saber dar valor à vida) até caixa de supermercado e repositor, sempre trabalhei e estudei para ter dinheiro para o cigarrito.
Há 13 anos, quando deixei a faculdade, trabalhei como livreiro, mal pago e maltratado. No fim de contas o que interessa é galinha gorda por pouco dinheiro. Que interessava ganhar menos do que o ordenado mínimo, afinal era tudo por amor à camisola, tudo por um bem maior, c’est à dire, a arte. Assim foi durante estes anos, nos quais o que encontrei em comum, de patrão para patrão, foram pequenos déspotas que se valiam de recém-formados para continuar a alimentar a gorda máquina do capital.
Mas bom, uma pessoa cresce. Já não se satisfaz com uma sandes de torresmo ou duas semanas na Costa da Caparica. Bolas, estudei tanto, de algo há-de valer. Procura aqui, procura ali, currículos à esquerda e à direita e eis que surge um trabalho em condições. Trabalhamos por turnos, não temos direito a natais ou anos novos (essa invenção capitalista), mas até parecem simpáticos, até nos dão 13.º mês e seguro de saúde. O melhor é aceitar, dizer que sim. Afinal, sempre há patronato em condições.
Só que não. Apenas nos acenam com meia dúzia de tapa-olhos. Quanto a nós, mais não somos do que carne para canhão. Um dia somos uma pessoa, com vida própria, direitos e deveres, como de um momento para o outro nos tornamos apenas num número… São agora maus – abrenúncio –, com um aumento de 50 euros ao longo de 6 anos e da efetividade ao fim de 5, queixo-me para e porquê?
Não pode ser assim tão mau. E não é, de facto, se para tal disser ámen a tudo e for uma “Maria-vai-com-as-outras”. Brio profissional? Isso é coisa de comunistas. O que interessa é dizer sempre que sim e deixar-se ir, qual cambada de carneiros.
A geração que me precedeu foi apelidada de “geração rasca”. A minha é rasca, à rasca e com as calças na mão. E não nos podemos virar a ninguém, a consciência política é para os outros, para os crescidos. Esquecemos, porém, que os crescidos, os nossos pais e avós, já fizeram a sua parte. Agora somos nós, é a nossa vez. Enquanto os nossos antepassados lutaram contra a P.I.D.E. e contra o senhor das botas, cabe a nós lutarmos agora contra a abjeta máquina do capitalismo. Dúvidas há em relação a isto? Percam um pouco de tempo e reparem nos milhares de jovens explorados em “call centers”, supermercados e outras macacadas capitalistas, que nos sugam a saúde, a juventude, os sonhos…
«25 de Abril sempre, fascismo nunca mais.» Mas, cuidadinho, este que tal, o fascismo, anda aí, mascarado de democracia, passando-se por cão manso, que à primeira hipótese morde. Fascismo nunca mais; capitalismo explorador jamais. Chega de cruzar os braços e vamos à luta. Já comecei a minha, e tu?

Ricardo Falcato, 110789

1 comentário:

  1. Grata pela partilha desta reflexão autobiográfica, Ricardo, que nos inspira a olhar para o mundo dando alguns passos atrás e aprendendo a valorizar o nosso saber, a nossa força... só me lembro do Sérgio Godinho, "Que força é essa, amigo?" — https://www.youtube.com/watch?v=IgHyXlbahkU

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