Comecei a descontar para
a “caixa” em 2003, assim que deixei de estudar e agarrei o
primeiro emprego que me apareceu. Na altura, era gerente de livrarias,
e muito mais bem pago do que hoje em dia, mas enfim, o pessoal precisa
de comer e tem contas para pagar no final do mês. Comecei a
trabalhar, com descontos, aos 22 anos, mas antes
deitava mãos a tudo.
Aos 15 anos tive o meu
primeiro emprego, numas férias. Trabalhei durante duas semanas numa
colónia de férias que, então, já me pagava 20 contos de réis por
duas semanas de trabalho a meio tempo. E daí para cá nunca mais
parei. De operário fabril (sim, sem qualquer vergonha; se um homem –
garoto – tem músculos há que trabalhar, saber dar valor à vida)
até caixa de supermercado e repositor, sempre trabalhei e estudei para
ter dinheiro para o cigarrito.
Há 13 anos, quando deixei
a faculdade, trabalhei como livreiro, mal pago e maltratado. No fim
de contas o que interessa é galinha gorda por pouco dinheiro. Que
interessava ganhar menos do que o ordenado mínimo, afinal era tudo
por amor à camisola, tudo por um bem maior, c’est à dire, a
arte. Assim foi durante estes anos, nos quais o que encontrei em
comum, de patrão para patrão, foram pequenos déspotas que se
valiam de recém-formados para continuar a alimentar a gorda máquina
do capital.
Mas bom, uma pessoa
cresce. Já não se satisfaz com uma sandes de torresmo ou duas semanas
na Costa da Caparica. Bolas, estudei tanto, de algo há-de valer.
Procura aqui, procura ali, currículos à esquerda e à direita e eis
que surge um trabalho em condições. Trabalhamos por turnos, não
temos direito a natais ou anos novos (essa invenção capitalista),
mas até parecem simpáticos, até nos dão 13.º mês e seguro de
saúde. O melhor é aceitar, dizer que sim. Afinal, sempre há
patronato em condições.
Só que não. Apenas nos
acenam com meia dúzia de tapa-olhos. Quanto a nós, mais não somos
do que carne para canhão. Um dia somos uma pessoa, com vida própria,
direitos e deveres, como de um momento para o outro nos tornamos
apenas num número… São agora maus – abrenúncio –, com um
aumento de 50 euros ao longo de 6 anos e da efetividade ao fim de 5,
queixo-me para e porquê?
Não pode ser assim tão
mau. E não é, de facto, se para tal disser ámen a tudo e for uma
“Maria-vai-com-as-outras”. Brio profissional? Isso é coisa de
comunistas. O que interessa é dizer sempre que sim e deixar-se ir,
qual cambada de carneiros.
A geração que me
precedeu foi apelidada de “geração rasca”. A minha é rasca, à
rasca e com as calças na mão. E não nos podemos virar a ninguém,
a consciência política é para os outros, para os crescidos.
Esquecemos, porém, que os crescidos, os nossos pais e avós, já
fizeram a sua parte. Agora somos nós, é a nossa vez. Enquanto os
nossos antepassados lutaram contra a P.I.D.E. e contra o senhor das
botas, cabe a nós lutarmos agora contra a abjeta máquina do
capitalismo. Dúvidas há em relação a isto? Percam um pouco de tempo e reparem nos milhares de jovens explorados em “call centers”,
supermercados e outras macacadas capitalistas, que nos sugam a saúde,
a juventude, os sonhos…
«25 de Abril sempre,
fascismo nunca mais.» Mas, cuidadinho, este que tal, o fascismo,
anda aí, mascarado de democracia, passando-se por cão manso, que à
primeira hipótese morde. Fascismo nunca mais; capitalismo explorador
jamais. Chega de cruzar os braços e vamos à luta. Já comecei a
minha, e tu?
Ricardo Falcato, 110789
Grata pela partilha desta reflexão autobiográfica, Ricardo, que nos inspira a olhar para o mundo dando alguns passos atrás e aprendendo a valorizar o nosso saber, a nossa força... só me lembro do Sérgio Godinho, "Que força é essa, amigo?" — https://www.youtube.com/watch?v=IgHyXlbahkU
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