Hoje, em honra do Dia Mundial do Teatro, trago um artista que me é muito querido, e um nome emergente do teatro nacional — André Amálio, ator, dramaturgo e encenador.
Este criador tem vindo a desenvolver um trabalho que nos convida a repensar a história de Portugal, sendo a sua máxima de trabalho — "Repor a verdade sobre o colonialismo português". O trabalho que tem desenvolvido sobre este tema perfaz uma tetralogia, em que que cada uma das peças se debruça sobre uma faceta do colonialismo português e dos discursos em torno deste, tal como as suas consequências sociais, culturais e políticas. Os títulos de cada uma das peças indiciam já algumas ideias com as quais, provavelmente, já nos confrontámos: Portugal (não) é um país pequeno; Passa-porte; Libertação e Amores Pós-Coloniais. Aqui podem ver o trailer da primeira peça e outras informações sobre este criador.
André Amálio decidiu contar estas histórias exatamente porque constatou que os livros de História, do nosso ensino, desde o primário ao secundário, transmitem aos alunos uma narrativa que percebeu ser ideologicamente carregada, a ponto de não sabermos realmente a verdade sobre a história. De que modo é que os mitos do regime continuam a pesar na sociedade portuguesa; como é que a História é branqueada para transmitir uma ideia que glorifica ainda os Descobrimentos portugueses, escondendo todas as suas consequências e as atrocidades cometidas; quais foram as consequências reais da nossa presença nas colónias e da sua libertação tão tardia (não esquecer que fomos a nação que manteve colónias durante mais tempo, cerca de 500 anos) são algumas das questões que coloca. E são questões que nos obrigam a confrontar aquilo que ignoramos, que escolhemos não ver e que, além disso, também não nos é permitido ver, a nível institucional. E creio ser necessário constatar estas realidades, muitas vezes duras, através das críticas que começam a surgir em relação à temática, pela mão de artistas como André e muitos outros, no cinema, na música, etc.
As diferentes histórias que conta confrontam-nos em primeira mão com as visões que apoiam estas ideologias, visões que nos dão conta daquilo que já está de tal modo entranhado na nossa vivência que não nos apercebemos sequer da forma estrutural como estes mitos do chamado "lusotropicalismo", dos brandos costumes e de sermos colonizadores que, "ao contrário dos outros", desenvolveram uma boa relação com Angola ou com Moçambique, penetraram no nosso modo de estar enquanto portugueses. E são mesmo histórias reais, visto que o seu trabalho se insere no género de teatro documental, e todo o material que aparece em cena é recolhido e analisado a partir de depoimentos, muitas vezes citados diretamente em palco.
Estes confrontam-nos muitas vezes de modo brusco e chocante com a forma como nem nos apercebemos que perpetuamos determinados comportamentos, coisas pequenas como a nossa "grande" música candidata à Eurovisão 1989, "Conquistador", que aparece logo na primeira peça da tetralogia. Por outro lado, estes relatos geram também um efeito curioso na audiência, a que o próprio se refere e que eu mesma já tive a honra de presenciar — geram uma vontade contagiante de partilhar as nossas próprias histórias, juntar o nosso depoimento àqueles que são lidos, ouvidos e projetados durante as performances. Porque afinal, se estamos a branquear a História deste modo, milhares de vozes não são ouvidas, vozes que foram sendo esquecidas com o passar dos anos, escondidas e votadas ao silêncio.
Está nas nossas mãos, com o acesso que temos à informação no presente, e com o auxílio do engenho criativo e coragem de alguns artistas como André Amálio, procurarmos refletir sobre estas questões e perceber o modo como a educação molda a nossa mundivisão e nos marca ideologicamente. E se existem artistas que deliberadamente se dirigem à comunidade, para com ela investigar as suas histórias e aceder a essa memória histórica coletiva (portuguesa, angolana, moçambicana...), para recriar o nosso modo de ver e pensar o mundo, democratizando a arte neste processo, não será nossa responsabilidade agarrarmos esta cidadania plena e informada, para podermos agir mais livremente?
Deixo-vos com a página da companhia de André Amálio e da sua companheira, Tereza Havlíčková, Hotel Europa, caso tenham interesse em saber mais sobre as peças e o trabalho continuado que estão a desenvolver. Deixo o convite para as suas próximas produções este ano: em setembro, estreiam a peça Os Filhos do Colonialismo, que certamente tocará temas marcantes para a grande maioria da turma; em Outubro, O Fim do Colonialismo Português, uma performance que dura 13 horas, evocando os 13 anos da Guerra Colonial.
Obrigada por lerem, e continuação de boa semana!
Leonor Madureira / 150360
Grata pela partilha deste trabalho tão relevante, Leonor, no cruzamento da pesquisa documental, do teatro, da performance e da dança, segundo pude averiguar no site da companhia. Interessante também ver que o casal baseia a sua abordagem num perspetiva teórica, sendo ambos pós-graduados, e autobiográfica.
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