A forma como
vemos as coisas determina a nossa presença no mundo. Tal como afirma John Berger “olhar é
um acto de escolha”. Proponho, então, uma análise do vídeo “This is
America”, de Donald Glover, Aka, Childish Gambino.
A música e o
respetivo videoclipe saíram em 2018 e foram ambos caricaturados, gerando imensa polémica. O artista foi alvo de troça e penso que o
seu objetivo tenha passado completamente ao lado para as audiências que
assistiram ao vídeo.
A narrativa deste vídeo começa com uma figura de raça
negra a tocar guitarra, aludindo à música tradicional que se ouve enquanto a
imagem é mostrada. É engraçado de notar que a figura da guitarra e o protagonista (em segundo plano) se encontram
nas zonas sombreadas do plano, enquanto que o espaço iluminado está vazias.
As roupas destas duas
figuras são relevantes, principalmente a de Childish
Gambino, cujas calças aludem à farda dos soldados do Norte, na Guerra Civil Americana, e o colar à cultura gangster.
Gambino também hiperboliza as suas poses e expressões faciais, de um modo caricatural, que recria as imagens racistas dos afro-americanos.
Esta pose, por exemplo, alude à caricatura à sua direita, realizada cerca de 1832, para ilustrar a música "Jim Crow", que viria a dar nome às leis segregacionistas passadas em vários estados do Sul, após o fim da Guerra Civil. Eis aqui outro frame em que Gambino replica uma imagem caricaturada do homem negro.
Por outro lado, o cantor também encarna o estereótipo do do homem branco que sai sempre ileso dos crimes que comete.
No entanto, a parte que para mim é mais forte é a cena da igreja, onde vemos um coro gospel a atuar momentos antes de sofrer um massacre. Isto é referente a um massacre real que foi realizado por um jovem branco numa igreja afro-americana, em 2015. Após realizar o tiroteio, o "criminoso" sai de cena a dançar, enquanto várias personagens correm na direção do crime. A repetição constante do título da música remete para a visão estereotipada do que é a cultura norte-americana. O facto de ele também afirmar que é "bonito" alude ao facto de o homem branco sair ileso dos seus crimes pela sua cor de pele ("Look how I'm geekin' out/ I'm so fitted/ I'm on Gucci/ I'm so pretty")
Quando Gambino faz esta pose, há um silêncio de 17 segundos. Isto remete para um outro tiroteio escolar, do qual resultaram dezassete mortos. Logo a seguir, ele segura um cigarro e acende-o, tentando com isso mostrar que "a vida continua" e que não devemos ficar preocupados com o que aconteceu no passado pois "isto é a América", um país onde a violência se banalizou.
A penúltima cena deste vídeo é passada num espaço cheio de carros antigos, e a nossa personagem principal dança em cima de um deles, aludindo a Michael Jackson. É ainda de notar que muitos dos movimentos executados pelo protagonista têm origem em coreografias de hip-hop ou em danças tradicionais africanas.
Por fim, encontramos o Childish Gambino a encarar a sua própria pessoa, o homem afro-americano em fuga.
Quero então concluir que nem tudo o que vemos é aquilo para que olhamos e, que muitas vezes escolhemos o que ver, fazendo uma interpretação falsa ou conveniente do que está à nossa volta. Espero que tenham gostado do post e vemo-nos quarta!
Bibliografia
Khal,
“The Real Meaning Behind Childish Gambino’s ‘This is America’”
https://www.complex.com/pop-culture/2018/05/the-real-meaning-behind-childish-gambino-this-is-america-video/.
Complex, May 7, 2018.
Mahita,
Gajanan. "An Expert's Take on the Symbolism
in Childish Gambino’s Viral ‘This Is America’ Video". Time, May 7, 2018.
Shamsian,
Jacob, “24 things you may have missed in Childish Gambino's 'This is
America' music video”
https://www.insider.com/this-is-america-music-video-meaning-references-childish-gambino-donald-glover-2018-5#or-it-could-be-a-reference-to-michael-jackson-3.
Insider, May 9, 2018.
--- https://www.youtube.com/watch?v=9_LIP7qguYw.
May 9, 2018.
Filipa Costa 153720
Obrigada pela partilha, Filipa!
ResponderEliminarRealmente já me tinha cruzado com este vídeo e, sendo até bastante fã do Childish Gambino, adoro a música e o mesmo. Nunca me tinha dado conta de todas as referências que apontaste, e é interessante ver o modo como em algo como um vídeo para uma música de poucos minutos se consegue construir uma crítica tão condenadora à sociedade americana.
Ver é realmente uma escolha, e pelas críticas e a troça gerada em redor deste vídeo, percebemos que o grupo a quem é dirigido o teor crítico do vídeo e da música escolhe não incluir isto no seu campo de visão, optando por continuar a perpetuar o mesmo tipo de comportamentos. É preocupante aperceber-mo-nos disto, e da violência e ódio contínuos na América, e em todo o mundo aliás. É, no entanto, de louvar o trabalho do artista por se dedicar a esta temática e o fazer de modo tão informado e poderoso!
Leonor Madureira (150360)
Grata pela partilha, Filipa, como especialista em Estudos Americanos, é sempre interessante para mim descobrir mais sobre a cultura contemporânea dos E.U.A., em especial sobre a questão das políticas de identidade raciais, que muito me interessa. Lamento, porém, ter optado por não revelar as suas fontes, já que, a escrita académica se constrói sempre como um diálogo de vozes que devem, imperativamente, ser reconhecidas. Fiz eu mesma alguma pesquisa, pois, e acrescentei uma bibliografia ao seu post.
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