Neste pequeno excerto, John Berger
apresenta uma das ideias-chave desenvolvidas ao longo de Ways of Seeing, nomeadamente, a relação intrínseca e promíscua entre
publicidade e capitalismo. Segundo o
autor, toda a publicidade serve para promover o capitalismo, tendo como
mensagem implícita o convite para um tempo futuro idealizado, retirando o
consumidor do presente com a promessa de um amanhã melhor, proporcionado pelo
produto anunciado. Esta projeção de um tempo distante e intangível é a
principal estratégia discursiva do texto publicitário.
Para Berger, a roda viva da
publicidade visa exatamente alimentar a máquina do neoliberalismo através da
capacidade de incutir no consumidor uma insatisfação generalizada quanto ao seu
modus vivendi presente, convencendo-o
da premência em participar no fluxo de consumo desregrado, instituído e
patrocinado pelas grandes corporações e construído unicamente em função dos seus
interesses financeiros, sob a sombra permanente de não ser reconhecido pelos
seus pares. Este efeito é conseguido pela publicidade com a projeção implícita da
imagem que fazemos de nós próprios, num tempo futuro com o objeto prometido. Usurpando-nos
o nosso amor próprio, a publicidade devolve-no-lo pelo preço do produto
anunciado.
Assim, passamos a invejar esse nosso “eu
futuro”, produto da inveja dos outros, e nisto consiste o glamour. Invejaremos o glamour,
esse sentimento mercantilizado, destituído de qualquer valor experiencial e,
portanto, impossível de ser alcançado. A perpetuação desta estratégia, ou seja,
a razão pela qual as pessoas não deixam nunca de acreditar na publicidade e nas
vãs promessas que esta continuamente nos oferece, é conseguida, segundo o
autor, porque a veracidade da publicidade é avaliada não pelo real cumprimento
das promessas, mas pela relevância das fantasias criadas no imaginário do
consumidor, que nada têm a ver com o produto anunciado, mas sim com a sua imagem
publicitária.
Segundo Berger, a democracia parece
ter sido o campo propício para a disseminação deste conceito desprovido de
qualquer vivência experiencial, nomeadamente, através da promessa contínua da
felicidade individual que a própria democracia advoga como um direito universal.
Contudo, a solidão de ser invejado
num futuro feliz enquanto objeto dos olhares dos seus pares, terá gerado a
separação destes, fazendo do glamour
a promessa frustrada da democracia. Alcançar essa felicidade, exige assim,
segundo o autor, a necessidade de destruir o paradigma publicitário daquilo que
queremos ser, o que será alcançável apenas através do derrube do capitalismo,
que nos deixa impotentes e desempoderados, afastando-nos do tempo presente, com
promessas recorrentes de satisfação a cada compra.
Tal só se conseguirá pela
concretização do ideal de democracia que, segundo o autor, terá ficado a meio
caminho com a associação, sustentada pela máxima do individualismo, entre os conceitos
de democracia e capitalismo promovida pelas grandes corporações. E esse derrube
só será possível pela desconstrução da ideia de naturalização.
De facto, só através da realização de
juízos críticos que utilizem estratégias de desfamiliarização (desconstruindo o
que nos é familiar), conseguiremos deixar de tomar como naturais as mensagens
que nos são transmitidas desde a infância, através de narrativas que se
perpetuam no tempo, suportadas por esta e outras estratégias que asseguram a
indeterminação dos sentidos e a continuidade do establishement definido pelo poder económico. A publicidade usa e
promove esse artefacto de continuidade da narrativa.
Entre essa e outras estratégias
subjacentes às mensagens publicitárias, encontramos as já acima abordadas da obsolescência
embutida ou planeada dos bens[1];
da ambiguidade generativa das mensagens publicitárias[2];
o recurso recorrente à sexualidade e ao glamour
e à imagem projetada de felicidade na posse do bem; e também a mistificação[3]
que muitas vezes é utilizada na promoção desses bens, com recurso a referências
diretas ou indiretas a obras de arte, oferecendo a ideia de luxo, unicidade e
valor cultural ao bem publicitado.
Pedro
Penaguião
[1] Esta estratégia induz os consumidores a participarem no fluxo
desregrado da economia, de forma a dinamizá-la com uma sua renovação
permanente, ainda que desnecessária, através de uma produção exploratória da
mão-de-obra dessas mesmas pessoas, que cedo foram familiarizadas com a ideia de
alienar esse seu tempo presente, através da futura aquisição de um bem
idealizado.
[2] Pelo facto de muitas vezes os anúncios não especificarem o que está a
ser vendido, o consumidor projeta-se na narrativa associada aos mesmos.
[3] Segundo J. Berger, as imagens do passado terão sido mistificadas em
função da pressão de uma minoria privilegiada em inventar uma história que
permitisse justificar o papel da classe governante. Era assim antigamente com
as obras de arte do passado, e é assim atualmente com a referência publicitária
às obras do cânone artístico e cultural, com a transmissibilidade do
significado e da autoridade das obras artísticas para o mundo publicitário.
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