Comentário do excerto apresentado,
considerando as estratégias discursivas dos textos publicitários e a sua função
político-económica na atualidade.
A publicidade impele o interlocutor a
adquirir, não no sentido restrito que diz respeito apenas às necessidades reais
de cada um, mas antes conduzindo à aquisição de bens como veículo catártico que
promete a transcendência do sujeito, na esperança de satisfazer as necessidades
induzidas pelos mecanismos de persuasão.
O sistema político-económico-social atual
– neoliberalismo – parte do pressuposto que a escolha cabe aos indivíduos, e
que esta é alicerçada na liberdade. No entanto, urge perguntar qual será o
efetivo poder de escolha de um indivíduo que é (sempre) parte integrante de uma
comunidade?
A lógica capitalista do consumismo
oferece-nos várias opções, não resultando daí necessariamente um verdadeiro
leque de escolhas; num oceano de falsas opções onde residirá, então, a
liberdade individual?
Numa matriz social pautada pelo
individualismo, pela globalização e pela liberdade individual, o consumo é
entendido como uma extensão daquilo a que podemos chamar as formas de
sociabilidade e os processos identitários dos sujeitos – ou seja, somos o que
consumimos.
A publicidade atua, e é entendida, como
reflexo inquestionável do mais abstrato dos conceitos modernos – a felicidade.
Esta torna-se uma `espécie´ de mercadoria, na medida em que é consubstanciada
na ideia – puramente simbólica –, que à mulher de César não basta ser séria,
tem de parecer séria. O homem moderno sofre deste complexo – não lhe basta ser,
tem de parecer.
Atingir este estado de plenitude que se
convencionou por felicidade implica a posse/aquisição das mercadorias imbuídas
do simbolismo a que queremos estar associados, consequentemente, aquilo que
possuímos é definidor daquilo que somos, como já acima referi.
No final do século XIX e início do século
XX, a superprodutividade e a fusão entre o capital industrial e financeiro
marcaram o início de uma nova etapa do capitalismo, de carácter intensivo e
baseado grandemente na especulação. O capitalismo financeiro intensifica e
promove a concentração de capital sob o domínio de empresas gigantescas, os trustees[1], que controlam
desde a extração da matéria-prima até à comercialização dos produtos.
Neste tipo de capitalismo monopolista, os
investimentos na criação de mais-valia para as mercadorias representam a nova
forma de concorrência entre as grandes empresas. A crescente diversificação na
produção, o uso da tecnologia em favor de uma obsolescência programada e o
estímulo ao consumo por parte da publicidade comprovam os mecanismos cada vez
mais racionais utilizados como “armas de guerra” entre os monopólios para
obtenção de lucro.
A política da social-democracia de cariz
neoliberal vigente nesta nova etapa prega a “democracia das massas”,
modificando os mecanismos do sistema produtivo a fim de instigar nos indivíduos
novas carências, que levam ao consumo de grande diversidade de bens
industrializados.
A industrialização, a crescente urbanização
e o anonimato a que os indivíduos foram expostos, sobretudo nas grandes
metrópoles, colaboraram em grande medida para modificar a forma como se
configuram as relações sociais na contemporaneidade. As mudanças na estrutura
económica e nos valores socioculturais abriram espaço para a formação de novas
fontes de referência na composição da identidade individual. Duas das
principais fontes de referência são a publicidade e os mercados financeiros,
que reforçam uma sociedade de consumo de massas. A força da publicidade na
implantação destes novos modos de vida é inquestionável. De facto, o seu papel
manipulador permite que as exigências do modo de produção capitalista sejam
cumpridas.
Simultaneamente, as formas de organização
do trabalho foram alteradas, possibilitando a criação de novos métodos para
intensificar o ritmo da produção. Os princípios do taylorismo[2] e do
fordismo[3] foram
levados às últimas consequências, o que aumentou ainda mais a necessidade de
fazer escoar esta superprodução.
Os Estados bem ´abastecidos´
promovem/vendem a ideia de bem-estar social, da chamada “qualidade de vida”. As
crises de superprodutividade e subdemanda que, por sua vez, exigiram a
ampliação do mercado (sobretudo para o consumo de bens supérfluos) e a
reestruturação das necessidades individuais, são em larga medida promovidas
pela atuação da publicidade, que, acelerando este processo de “educação” dos
indivíduos para o consumo massivo, encaminha a humanidade para o abismo
existencial. De facto, a alienação, o egocentrismo, o narcisismo, o vazio e a
superficialidade, com impacto tanto a nível sociopolítico como ecológico, são
algumas das características da sociedade de consumo e da produção em
massa.
Bibliografia
BERGER, Jonh. Ways of
Seeing. London:
Penguin, 2008.
Nilton Fonseca
[1] Trustees
são estruturas empresariais típicas do que se convencionou como capitalismo
monopolista. Exemplo disso foi a compra da Yahoo e da Nokia pela Microsoft.
Nesse sentido, boa parte do mercado, ao invés de ser gerido pela lei da livre
concorrência, está condenado ao monopólio ou ao oligopólio, embora –
aparentemente – as grandes fusões do mercado atual não tenham extinguido a
competição.
[2] Forma de organização do trabalho baseada em tarefas
simples e rápidas, desenvolvida pelo economista norte-americano Frederick
Taylor (1856-1915).
[3] Forma de organização do trabalho proposta por Henry Ford
(1863-1947) e baseada no trabalho em cadeia e na produção em série, que deu
origem à produção em massa.
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