Segundo
o cânone clássico da filosofia acessível ao público pelo ensino secundário e pela
opinião popular, quem filosofa são pessoas antigas de séculos passados, alemães
rígidos com palavras compridas e sentido de dever. Dificilmente estabelecemos
uma ponte entre o panteão dos filósofos e os assuntos mais quentes da
contemporaneidade, como feminismo e políticas de género no ocidente. Afinal quem é que participa na
filosofia hoje em dia?
O tema
da corporalidade, por exemplo, foi abordado em 1962 por Merleau-Ponty apontando
uma relação entre a consciência social, cultural e o corpo: “A cultura
científica ocidental requer que tomemos os nossos corpos simultaneamente como
estruturas físicas e como estruturas experienciais vividas”.[1]
A
corporalidade é o modo como habitamos o corpo ocupado por toda as questões da
vida. Cada corpo tem uma
experiência diferente. Cada uma destas experiências resulta de preconceitos,
hábitos, medos e vivências.
Os
intelectuais de hoje vêm de vários backgrounds,
o canal de YoutUbe ContraPoints é um bom exemplo para começar. Natalie Wynn, a
sua autora, é uma mulher transgénero que deixou a carreira universitária em
Filosofia para se dedicar a este projeto. O seu canal nasceu para argumentar
contra conteúdos alt-right (alternative right) e de extrema direita, discutindo
também políticas de género no atual ambiente político. Por exemplo, o seu vídeo
Men propõe um
diálogo com uma comunidade pouco discutida na coletividade de esquerda na
internet: os novos homens, adaptando-se às exigências dos tempos contemporâneos
e sentindo-se, por vezes, atacados pelo discurso do feminismo radical(izado).
Natalie Wynn
Wynn
sublinha que poucas pessoas têm a experiência de viver em dois géneros
diferentes e poder olhar o mundo de perspetivas distintas. Sendo trans, a
filósofa-performer admite que pode ter algo de interessante para partilhar relativamente
à sua experiência. O facto de ser uma mulher branca fê-la perceber que, em
geral, as mulheres têm direito a ser cuidadas, “os homens fazem coisas por
mim”, andar à noite tornou-se mais assustador e agora não mete medo a ninguém (“ninguém
tem medo de mim”). Ou seja, o fator que mudou não foi só o corpo, mas sim a
forma como as outras pessoas respondem a esta corporalidade, social e
culturalmente.
Segundo
a youtuber, os homens são tratados como perigosos por definição. Isto pode ser
malicioso especialmente se tivermos em conta outras identidades. Natalie Wynn
conta a situação num elevador onde ela se encontrava sozinha com um homem
negro, que começou a assobiar a música infantil “Row Row Your Boat”, numa
tentativa de mostrar a sua inocência. Tendo em conta os preconceitos raciais da
cultura estado-unidense, Wynn apercebeu-se de que aquele homem temeu que ela
tivesse medo por estar sozinha com um homem negro. Sugiro, pois, vivamente uma
tarde a ouvir os pensamentos e opiniões desta mulher e de outros youtubers como
Kat Blaque e
Oliver Thorn.
Kat Blaque
Ana Nobre
[1] Dreyfus,
Hubert L. "The Embodied Mind, Cognitive Science and Human Experience"
Mind, vol.102, no. 407, 1993.
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