terça-feira, 14 de abril de 2020

Análise de texto_Resposta-modelo 1


Partindo do princípio de que estamos inseridos numa sociedade que adota um sistema económico neoliberal, em que as grandes corporações, do domínio do privado, têm relevante influência nas decisões do Estado, que em princípio, seria o órgão representativo da soberania popular, então, torna-se previsível a maneira como a publicidade vem orientar a forma como vivemos. De facto, devido a este contexto, as empresas, acabam por influenciar de forma decisiva as escolhas que fazemos como consumidores. Em Ways of Seeing, John Berger convida-nos a fazer uma reflexão relativamente à influência que a atual cultura de imagem exerce no comportamento social, ajudando-nos a compreender alguns aspetos da sociedade capitalista e consumista em que vivemos.
Na atual conjuntura político-económica a grande variedade de marcas que encontramos no mercado, vem desencadear uma competitividade desenfreada entre elas, sendo cada vez mais difícil ganhar espaço no mercado, de modo que as empresas adotam as mais diversas estratégias discursivas para serem notadas pelos consumidores. Tendo em conta, ainda, que a componente visual tem sido desenvolvida como uma das principais, senão a principal, formas de comunicação da sociedade contemporânea, a imagem ganha então um peso estratégico a nível comercial, sendo o estudo da cultura visual indispensável para questionar e desconstruir ideias que são vendidas como naturais pelas corporações.
É muito comum os anúncios publicitários usarem estratégias de venda que apelam a conceitos de natureza imaterial, como por exemplo, a felicidade, a amizade, a sensualidade ou o amor, ou seja, conceitos que nitidamente não podemos comprar mas que, no fundo, são basilares para que nós, seres humanos, consigamos construir uma vida próspera e harmoniosa. No entanto, o que a publicidade vai fazer é exatamente tentar convencer-nos de que, ao consumirmos determinado produto, teremos mais amigos, nos tornaremos pessoas mais atraentes, mais sociáveis ou, seremos mais amadas, quando na realidade o desenvolvimento e potenciação destas qualidades/estados de espírito implicam uma outra dinâmica, que nada tem a ver com o consumo de produtos. É a partir de estratégias similares que se dissemina uma série de inversões de valores, como a ideia de ter em vez de ser, fazendo-nos crer que as nossas posses são um reflexo daquilo que somos, e os bens materiais constituem um veículo necessário para se criar os conceitos de comunidade, de integração e de identidade de grupo – eu sou aquilo que consumo e pertenço a, bem como me integro em determinado grupo, porque escolhi usar determinada marca (vide o argumento de Naomi Klein, em No Logo).
Outro tipo de discurso eleito pela publicidade é construído a partir da ideia de falta e/ou de falha, tal como também é abordado Ways of Seeing: “The purpose of publicity is to make the spectator marginally dissatisfied with his present way of life” (p.142). A publicidade encoraja-nos a consumir para suprir uma necessidade inexistente, criada pelo próprio discurso publicitário, que nos apresenta um problema e, simultaneamente a sua solução, através do simples ato de consumir o produto anunciado. Os anúncios que têm como público-alvo o género feminino tornam esse aspeto bastante evidente ao anunciar produtos que prometem livrar-nos dos pêlos, das rugas, da acne, da gordura, etc. Além disso, ao fazê-lo, constroem uma série de estereótipos que restringem o conceito de feminino a uma imagem deturpada e afastada do que é, de facto, real. Essa mesma lógica atinge vários outros campos sociais, inclusive determinadas associações que fazemos, por exemplo, a uma cultura diferente daquela a que pertencemos, gerando, desta forma, conceções racistas, xenófobas ou misóginas, que nos impossibilitam de enxergar outras realidades com a mesma naturalidade com que enxergamos a nossa, abrindo espaço para conflitos sociais baseados na intolerância.
A publicidade caracteriza-se, pois, por um discurso limitado que provoca o desenvolvimento de um pensamento alienado, restringindo a capacidade individual de desmistificar as mensagens que estão por detrás das suas campanhas, induzindo, assim, a uma cosmovisão limitada, baseada em padrões capitalistas. Desta forma, o poder de compra acaba por definir os nossos privilégios no meio social, impondo-se como uma condição para vivermos de forma satisfatória e bem integrada.
Karina Silva

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