Partindo do princípio de que estamos inseridos
numa sociedade que adota um sistema económico neoliberal, em que as grandes
corporações, do domínio do privado, têm relevante influência nas decisões do
Estado, que em princípio, seria o órgão representativo da soberania popular,
então, torna-se previsível a maneira como a publicidade vem orientar a forma
como vivemos. De facto, devido a este contexto, as empresas, acabam por
influenciar de forma decisiva as escolhas que fazemos como consumidores. Em Ways of Seeing, John Berger convida-nos
a fazer uma reflexão relativamente à influência que a atual cultura de imagem
exerce no comportamento social, ajudando-nos a compreender alguns aspetos da
sociedade capitalista e consumista em que vivemos.
Na atual conjuntura político-económica a grande
variedade de marcas que encontramos no mercado, vem desencadear uma
competitividade desenfreada entre elas, sendo cada vez mais difícil ganhar
espaço no mercado, de modo que as empresas adotam as mais diversas estratégias
discursivas para serem notadas pelos consumidores. Tendo em conta, ainda, que a
componente visual tem sido desenvolvida como uma das principais, senão a principal, formas de comunicação da sociedade
contemporânea, a imagem ganha então um peso estratégico a nível comercial,
sendo o estudo da cultura visual indispensável para questionar e desconstruir ideias
que são vendidas como naturais pelas corporações.
É muito comum os anúncios publicitários usarem estratégias
de venda que apelam a conceitos de natureza imaterial, como por exemplo, a
felicidade, a amizade, a sensualidade ou o amor, ou seja, conceitos que
nitidamente não podemos comprar mas que, no fundo, são basilares para que nós,
seres humanos, consigamos construir uma vida próspera e harmoniosa. No entanto,
o que a publicidade vai fazer é exatamente tentar convencer-nos de que, ao
consumirmos determinado produto, teremos mais amigos, nos tornaremos pessoas mais
atraentes, mais sociáveis ou, seremos mais amadas, quando na realidade o
desenvolvimento e potenciação destas qualidades/estados de espírito implicam
uma outra dinâmica, que nada tem a ver com o consumo de produtos. É a partir de
estratégias similares que se dissemina uma série de inversões de valores, como
a ideia de ter em vez de ser, fazendo-nos crer que as nossas posses são um
reflexo daquilo que somos, e os bens materiais constituem um veículo necessário
para se criar os conceitos de comunidade, de integração e de identidade de
grupo – eu sou aquilo que consumo e pertenço a, bem como me integro em
determinado grupo, porque escolhi usar determinada marca (vide o argumento de
Naomi Klein, em No Logo).
Outro tipo de discurso eleito pela publicidade é
construído a partir da ideia de falta e/ou de falha, tal como também é abordado
Ways of Seeing: “The purpose of
publicity is to make the spectator marginally dissatisfied with his present way
of life” (p.142). A publicidade encoraja-nos a consumir para suprir uma necessidade
inexistente, criada pelo próprio discurso publicitário, que nos apresenta um
problema e, simultaneamente a sua solução, através do simples ato de consumir o
produto anunciado. Os anúncios que têm como público-alvo o género feminino
tornam esse aspeto bastante evidente ao anunciar produtos que prometem
livrar-nos dos pêlos, das rugas, da acne, da gordura, etc. Além disso, ao
fazê-lo, constroem uma série de estereótipos que restringem o conceito de
feminino a uma imagem deturpada e afastada do que é, de facto, real. Essa mesma
lógica atinge vários outros campos sociais, inclusive determinadas associações
que fazemos, por exemplo, a uma cultura diferente daquela a que pertencemos,
gerando, desta forma, conceções racistas, xenófobas ou misóginas, que nos
impossibilitam de enxergar outras realidades com a mesma naturalidade com que
enxergamos a nossa, abrindo espaço para conflitos sociais baseados na
intolerância.
A publicidade caracteriza-se, pois, por um
discurso limitado que provoca o desenvolvimento de um pensamento alienado, restringindo
a capacidade individual de desmistificar as mensagens que estão por detrás das
suas campanhas, induzindo, assim, a uma cosmovisão limitada, baseada em padrões
capitalistas. Desta forma, o poder de compra acaba por definir os nossos
privilégios no meio social, impondo-se como uma condição para vivermos de forma
satisfatória e bem integrada.
Karina Silva
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