Diálogo
entre “A NECESSIDADE” e “UM ARTISTA”
Acto
I, Cena I
(UM
ARTISTA está de pé, sozinho no palco de um teatro, com apenas um
projector central ligado e a olhar vagamente para o vazio da plateia.
Entra A NECESSIDADE e põe-se ao lado dele.)
A
NECESSIDADE
O
que vês?
UM
ARTISTA
Não
vejo, penso.
A
NECESSIDADE
É
esse o teu problema.
UM
ARTISTA
Pensar?
A
NECESSIDADE
Não.
Não ver. Não ver é o teu problema.
UM
ARTISTA
Se
eu passasse a ver, deixava de ter problemas?
A
NECESSIDADE
Não.
(breve silêncio)
Mas pelo menos estarias mais capacitado para lidar com o vazio.
UM
ARTISTA
Qual
vazio?
A
NECESSIDADE
Vês,
como não vês?
(breve
silêncio)
Repara, tudo que existe,
existe por minha causa. A evolução da espécie, o sexo, a sede, a
fome, o nascer, o morrer, o conviver, o estar sozinho... O pensar...
E não me faças continuar porque não me apetece, estou cansada e
tenho fome. Estou sempre com fome.
UM
ARTISTA
O que é que eu estou a
fazer de errado?
A
NECESSIDADE
Não estás, o problema é
esse.
Estás tão fixado na tua
própria existência que não me conseguiste ver.
Eu não estou
satisfeita... Fui obrigada a vir até aqui chamar-te a atenção.
UM
ARTISTA
Então e o que é que eu
não estou a fazer?
A
NECESSIDADE
A VER!
UM
ARTISTA
Mas o quê!?
A
NECESSIDADE
O
VAZIO! (agarra-o
pela cabeça e dão os dois um passo à frente)
O vazio só está vazio
porque tu não foste capaz de me ver do outro lado! Eu estive sempre
lá, a acenar, a gritar o teu nome!
E
sabes qual é o teu maior inimigo? O tempo! Eu adapto-me bem a ele,
já tu... (larga-o)
Depois admiras-te quando
dizem que o teu trabalho é obsoleto...
UM
ARTISTA
E o que é que eu faço?
A NECESSIDADE
Tens de transformar
coisas que ainda não são coisas em coisas e fazer com que essas
coisas sejam atractivas ao olhar e ao gosto de quem vive neste tempo.
É simples!
UM
ARTISTA
Não faço as vontades a
ninguém.
A
NECESSIDADE
Então junta-te. (começa
a sair pela direita de cena)
UM
ARTISTA
Junto-me a quem?
A
NECESSIDADE
Ao CAMO.
UM
ARTISTA
Quem?
A
NECESSIDADE
CAMO – Clube dos
Artistas Mortos e Obsoletos!
Tchau, vou procurar
comida.
FIM?
Filipi
Di Ramo
A propósito da cadeira
de Cultura Visual com a Prof. Diana V. Almeida, sempre quis fazer um
post neste blog. A falta de tempo seguida de uma leve procrastinação
nunca me permitiu fazer mais do que acompanhar o que aqui era
postado.
Eu estou no segundo ano
do curso de Ciências da Cultura e, até agora, se alguém me pedisse
para resumir o que eu já consegui aprender com o curso numa única
frase eu diria: “O que realmente importa não é o que se diz, mas
a forma como se diz.”. Essa ideia que me assombrou durante todo o
primeiro ano ganhou uma forma mais concreta através desta cadeira.
Gosto. Gosto da ideia de que nós podemos influenciar, não as
pessoas, mas a forma como elas veem o mundo e abordam certas
questões...Talvez porque goste da publicidade, de prender a atenção
das pessoas e, acima de tudo, satisfazer o público em geral. De
todas as culturas, a Pop Culture é a que eu mais admiro pela
capacidade de atrair e influenciar um grande número de pessoas.
“Homo sum humani
nihil a me alienum puto.” é uma frase dita pelo poeta e
dramaturgo Terêncio que significa “Eu sou um ser humano e tudo
aquilo que é humano a mim não me é estranho.” e que dela se
compreende que, se alguém foi, em algum momento, capaz de fazer uma
grande acção benéfica para a humanidade, nós também somos
capazes de o fazer. De igual forma, se alguém foi, em algum momento,
capaz de fazer algo terrível, nós também temos tudo o que é
necessário para a mesma prática – o poder de escolha entre o bem
e o mal é que nos difere. Esta ideia de que nós podemos influenciar
positivamente o mundo que nos rodeia e a forma como olhamos para as
coisas não é exclusiva e está também presente na publicidade e em
todas as ramificações daquilo a que se pode chamar “Cultura
Visual”.
Também acho importante
que as coisas sejam partilhadas - partilhadas com o maior número de
pessoas possível. A arte, com toda a sua característica baseada na
liberdade criativa, poderia encontrar o seu ideal (ativar o
pensamento crítico e estético) se conseguisse atingir também o
grande público – mas isso, infelizmente, nem sempre acontece
devido a interesses de classe e a pseudo-intelectualismos. Qualquer
artista, ou pessoa criativa que queira simplesmente criar e expor a
sua obra, poderia almejar o grande público para ter, de forma
objectiva, maior influência.
Através da época, das
características culturais, da tecnologia existente e de uma boa
gestão de recursos, um criador é convidado a adaptar-se à
necessidade dos seus contemporâneos. Essa escolha e liberdade de
adaptação permite ao criador sair da sua esfera egocêntrica e
fazer do seu trabalho/obra algo muito mais dinâmico culturalmente.
É esta a minha
proposta: uma reflexão sobre a possibilidade de intersecção entre a vontade do
artista e a necessidade do seu público alvo.
NOTAS:
1) Filipi Di Ramo é o
pseudónimo registado de J. Felipe Ramos.
2) O blog alterou a formatação do diálogo - daí as diferenças no tamanho das letras.
Cultura Visual – Diana
V. Almeida
J. Felipe Ramos
145813
FLUL
Grata pela inspirada e inspiradora partilha, Filipe, ou melhor, Filipi ;) Gosto do diálogo entre a utopia e o imediatismo que aqui apresenta. Acredito que somos todos criativos e que é precisamente esta característica que nos permite agir no mundo, sonhando, planeando, implementando, avaliando (para poder melhorar) e celebrando as nossas presenças vivas! (Usei os cinco campos de ação definidos pelo Dragon Dreaming, uma ferramenta de intervenção coletiva que muito aprecio!)
ResponderEliminarO que me lembra o nosso querido Arnaldo Antunes "a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte!"
https://www.youtube.com/watch?v=hD36s-LiKlg