Naomi Klein considera que as escolas canadianas e estadunidenses, outrora espaços distanciados do mundo das grandes companhias comerciais, foram invadidas pelas marcas e pelos seus interesses privados. Na minha opinião, de maneira diferente e menos evidente, um fenómeno semelhante tem vindo a acontecer nas escolas portuguesas.
Com efeito, a autora refere que a grande barreira protetora que salvaguardava as escolas começou a ser quebrada a partir da década de 1980, época de crise económica. Para ultrapassar o acentuado decréscimo no número de vendas, as grandes empresas tiveram de pensar em novas soluções. Uma delas foi tornar a publicidade centrada na marca e não nos produtos, criando, assim, uma identidade própria, facilmente reconhecível pelo público. Ou seja, mais do que produtos, os consumidores passaram a comprar "um estilo de vida, uma atitude, (...) uma ideia" (Klein 23). Consequentemente, as vendas aumentaram. Exemplo disso é o caso da Nike. A sua estratégia passou pelo investimento em publicidades protagonizadas pelas figuras mais importantes do desporto. A sua mensagem era simples: mostrar ao público que os melhores desportistas confiavam nos seus produtos para chegarem à vitória. Este tipo de mensagem é baseado numa promessa de felicidade que pode ser vista e invejada pelos outros. Desta forma, os jovens estudantes facilmente acreditaram que, comprando os produtos de marca, se tornariam campeões. Rapidamente os corredores das escolas transformaram-se em passerelles de desfiles publicitários feitos através de roupas de marca usadas pelos alunos. O mesmo ainda acontece nas escolas portuguesas. Os estudantes estão de tal modo contaminados pelo desejo de serem os melhores, que continuam a publicitar livremente tudo o que usam como modo de ostentação de um estatuto que consideram significar superioridade perante os que não têm meios para comprar as mesmas coisas.
Por outro lado, na verdade, foi a tecnologia que quebrou a barreira protetora das escolas. No final do século XX, as constantes inovações tecnológicas deram origem a uma nova forma de ver o mundo através da componente digital dos ecrãs (Mirzoeff 15). A par destas mudanças, as escolas do Canadá e dos EUA sentiram a necessidade de ensinar recorrendo não só aos recursos tradicionais, como também aos recursos tecnológicos. Contudo, os planos governamentais que encheram as escolas cortes orçamentais mostraram-se um entrave. A solução encontrada foi obter financiamento diretamente das corporações.
Não obstante, vários governos ocidentais acabaram por desenvolver políticas de distribuição de computadores às escolas e aos alunos. Portugal, apesar de ter uma tradição de cortes orçamentais, seguiu essas medidas, garantindo que todos os estudantes e professores recebessem computadores de forma gratuita ou parcialmente gratuita. Todavia, se é verdade que o governo investiu na modernização do ensino, também é verdade que os interesses privados se apoderaram dos públicos. A criação do Magalhães, o computador mais famoso dessa política de distribuição, não foi mais do que uma oportunidade da Intel para lucrar à conta do Estado, criando um computador obsoleto que hoje já ninguém usa, excepto nos países pobres e escravos do capitalismo.
Ora, voltando ao contexto do No Logo, a verdade é que a ambição tecnológica das escolas não se satisfez apenas com computadores. A sua avidez levou-as retirarem dinheiro dos programas de educação física e de música para propósitos tecnológicos, abrindo espaço para a entrada de patrocínios das grandes marcas e para a promoção direta das mesmas, como acontece muitas vezes nos programas desportivos.
Felizmente, nas escolas portuguesas, segundo a minha experiência, a publicidade não atingiu ainda tais dimensões. No entanto, isto não significa que o sector privado esteja ausente do quotidiano escolar. Pelo contrário, está cada vez mais presente. Veja-se o caso das refeições. Há poucos anos atrás, os funcionários da cantina foram substituídos por uma rede de distribuição alimentar privada. Enquanto as empresas têm lucrado à conta do Estado, a qualidade das refeições diminuiu. Depois das cantinas, pouco faltará para que os bares sejam totalmente regidos pelas empresas privadas, permitindo a venda de alimentos prejudiciais à saúde de marcas, como por exemplo, a Coca Cola. Com o silencioso avanço do domínio privado nas escolas, quem sabe, quiçá, se um dia estas não se tornarão realmente pequenos centros comerciais cheios de comida plástica e cartazes publicitários.
Em suma, apesar de contextos diferentes, também entre nós os valores públicos têm sido abalados em lugares que foram primeiramente criados para ensinar e não para se transformarem numa fábrica de lucros.
Diana Nogueira
Grata pelo seu empenho no trabalho pedido, pela revisão seguindo as sugestões oferecidas e pela partilha, Diana!
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