Trago-vos um artigo da The School of Life, uma
organização centrada em temas de sabedoria emocional e aprendizagem geral,
rápida e concisa, focando desde movimentos artísticos e filosóficos, até
pessoas de renome. Este projeto pretende oferecer ferramentas práticas para
melhorarmos as nossas próprias vidas e modos de ver o mundo.
O artigo reflete
sobre o consumo ao longo dos tempos desenvolvendo uma abordagem histórica, tal
como faz Yanis Varoufakis ao explanar a evolução da economia em Talking to my Daughter about the Economy.
O artigo refere que
a modernidade é única em comparação com outras épocas devido a uma nova
atividade: comprar. De facto, desde o tempo do homo sapiens, a possibilidade de consumir além do objetivo de sobreviver
é extremamente recente.
Na Europa, durante
o século XII, o salário de um camponês tinha como único objetivo a alimentação.
No século XVII desenvolveram-se novas técnicas de agricultura, o que levou à
procura de manufaturas e ao crescimento do emprego. Depois, no início do século
XVIII, os salários subiram consideravelmente, e produtos considerados de luxo tornaram-se
mais acessíveis a um maior número de pessoas. A classe média emergente começou
a comprar produtos mais sofisticados e em maior quantidade. Passados dois
séculos, a revolução do consumo espalhou-se pelo mundo inteiro. Com serviços de
correio cada vez mais eficazes, era possível a entrega rápida de produtos, que
circulavam através de catálogos. Em 1882, Hermann Tietz abriu em Berlim o
primeiro centro comercial, de aspeto magnificente, com o propósito de induzir
os compradores numa espécie de transe (“designed to loosen shoppers´ hold on
reality and induce them into a trance-like state”).
Lojas Tietz, Berlim, 1910
O poder de compra
permitiu ascensão social e o proprietário de uma feira popular podia ser mais
rico e viver melhor do que um imperador inca. Assim, o poder aquisitivo começou
a sobrepor-se às regras de etiqueta e de boa educação.
Segundo a visão dos
economistas, um país deve participar na compra e venda de produtos de consumo
em grande escala para ser próspero, acrescentando ainda que a força e riqueza
de uma nação está nos centros comerciais e nos catálogos de compras. A ideia
será que o consumo massivo garante o pagamento de impostos para assegurar o
bem-estar das classes mais baixas e permitir o investimento em escolas e em hospitais.
Contudo, é importante
saber como gastar dinheiro de forma benéfica e consciente, embora os seres
humanos tenham dificuldade em distinguir o que “necessitam” do que “desejam”,
como já sublinhara Sócrates. Assim, para além do preço, o problema do consumo
está intrinsecamente associado ao nosso autoconhecimento. O nosso estado de
espírito está ligado ao modo como nos sentimos, por essa razão não se devemos
ir às compras com fome, pois é provável que compremos mais do que aquilo de que
realmente necessitamos.
A questão, segundo
o argumento aqui apresentado, é que não sabemos o que nos traz prazer: “we are untrained
amateurs in the art of making ourselves happy”. Acabamos, pois por viver numa gaiola
de ideias-feitas. Sem sabermos o que realmente nos traz prazer, tendemos muitas
vezes a sobrepor a quantidade à qualidade. Sendo consumidores e cidadãos, é de
grande importância determinar em que é que gastamos o nosso dinheiro, porque as
nossas decisões de consumo, juntamente com as de outros biliões de pessoas, vão
moldar a sociedade e o modo como vivemos.
Há quem defenda,
aliás, que talvez devêssemos dar menos valor ao capitalismo moderno, regressar
a modos de vida mais simples e redescobrir a felicidade inerente ao ser humano.
Só redescobrindo quem somos seria possível consumir de modo mais consciente. Dedicamos
a maior parte da vida a ganhar dinheiro; porém, talvez fosse melhor empregarmos o tempo a
descobrirmos a nossa verdadeira identidade.
Quero terminar esta reflexão com uma frase de John
Berger (no 4º episódio da série Ways of
Seeing, disponível aqui),
que reflete o paradoxo da sociedade de consumo, em que a publicidade nos
convence que gastar nos trará um aporte extraordinário, quando, na verdade,
acabamos é por ficar com menos dinheiro: “Publicity proposes to each of us in a
consumer society that we change ourselves or our lives by buying something
more. This ‘more’, publicity persuade us, will make us in some way richer, even
though we will be poorer by having spent our money”.
Nuno
Dias
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