I)
O discurso publicitário - máquina capitalista que apela aos desejos
básicos do ser humano – tem vindo a proliferar na economia e na sociedade contemporâneas.
Como diz Berger, este “Free World” em
que vivemos é um mundo onde as grandes corporações têm mais poder do que os
governos, onde a propriedade e o poder de consumo são sobrevalorizados e onde a
identidade primária é ser-se consumidor. A deslocalização, a privatização e a
exploração são consideras mais valias para estas corporações; num mundo em que
o importante é lucrar – uma verdadeira hegemonia neoliberal.
Em Ways of Seeing, Berger
afirma que o ser humano está sempre à procura de uma relação entre si mesmo e
aquilo que vê (9). Com a proliferação de imagens, a publicidade tornou-se
imparável pelo seu uso inteligente de símbolos e de referentes. O discurso publicitário
– uma “língua em si mesma” – alimenta-se da “cultura da distração” (Al Gore) em
que vivemos, prometendo um futuro perfeito, onde deixaremos de ter inveja dos
bens alheios e passaremos a ser os invejados por aquilo que possuímos,
garantindo-nos, então, um estatuto de “glamour”.
A transformação sugerida pelo discurso
publicitário, trabalha ao nível do nosso inconsciente, para nos incutir o
pensamento de que ter equivale a poder: há, por isso, uma fusão de identidade
entre nós e aquilo que consumimos. Ao aproveitar-se das nossas inseguranças, o
discurso publicitário oferece sempre a mesma solução, estimulando o hedonismo
ao propor a tangibilidade da felicidade.
Num mundo em que existe uma crescente
relação simbiótica entre o modelo neoliberal e o discurso publicitário, cujos
objetivos são formatar o pensamento e o desejo humanos em seu favor, é cada vez
mais importante estimularmos a autonomia crítica e o agenciamento.
Se continuarmos a deixar que estas instituições
policiem o nosso olhar, brevemente iremos ficar com uma visão e um desejo
unilaterais e iremos habitar num mundo devastado pela inveja, pelo declínio
económico, pela guerra e pela escassez de recursos. É, portanto, crucial
treinarmos o nosso olhar para reconhecermos e denunciarmos este padrão de
consumo que alimenta a concentração de capital numa minoria populacional e que
pretende transformar-nos em marionetas materialistas.
II) Joanna Macy e Chris Johnstone defendem na sua
obra Active Hope, existir já um agenciamento eficaz contra a lógica
neoliberal em que vivemos. Embora afirmem que os media não dão visibilidade a esta mudança, os autores acreditam que
se treinarmos o nosso olhar, iremos ser capazes de ver que tal mudança é
possível e que já está em curso, dependendo apenas da nossa vontade e coragem.
Devo
afirmar que concordo com as posições dos autores relativas ao que denominam “The
Great Turning”. Apesar de os media
não atribuírem relevância a esta transição de pensamento, a forma como vivemos
em comunidade pode contribuir para uma elucidação comum a todos. De facto, a
criação de movimentos ativistas prolifera, obrigando-nos a passar de um
pensamento estático para um pensamento em processo. Movimentos e conceitos como
a permacultura, os bancos éticos e a “street art” tomam crescentemente uma
posição afirmativa no nosso meio. Até em contexto académico somos capazes de
nos deparar com cadeiras que nos estimulam a autonomia crítica, a identidade
coletiva, a determinação e o agenciamento. A participação dos alunos na “Brigada
do Mar” é um exemplo vivo de que o “Great Turning” está a acontecer e de que as
pessoas são a força condutora da mudança.
Como
Rumi disse “Fecha os olhos, para poderes ver com o outro olho”. Devemos
fomentar a gratidão e usá-la como antídoto para o veneno materialista e egoísta
que nos rodeia. Neste contexto, acho importante ressaltar o uso da imagem como
arma de arremesso. Sendo que a imagem prevalece sobre a palavra nos dias de
hoje, a importância do ativismo visual é vital. A imagem dá forma visível ao
tempo e consequentemente à mudança A imagem choca e a imagem permanece
connosco. Sublinho, por isso, um “Great Turning” em que criemos novas imagens,
novas formas de sermos vistos e novas formas de ver o mundo. Podemos começar
por acreditar que o poder está em nós e, seguidamente, reinventarmos juntos o
mundo.
III) Sendo a publicidade um sistema de referências
que procura construir credibilidade, este anúncio apresenta-se como um bom
exemplo do uso de várias táticas dos discurso publicitário.
No
anúncio existe abundância de natureza, fazendo alusão ao Egipto Antigo, ainda
na era dos faraós, com a presença do produto (Sumo da Compal) no centro da
imagem. O uso da natureza, e até mesmo o slogan da Compal (“Compal. É mesmo
natural.”), indica uma apropriação da natureza como discurso que transfere
credibilidade à marca, como sugere Judith Williamson na sua obra Decoding
Advertisements. O uso da História invoca um passado coletivo, levando-nos a
sentir empatia para com o anúncio; sendo que Williamson defende que este uso da
História como referente dá alma ao produto (166).
Por
associação metafórica, o observador associa o Egipto aqui representado à
riqueza e à abundância, que também ele poderá atingir se adquirir o produto.
Igualmente, o uso da frase “O Tesouro Mais Bem Guardado” sugere ao observador
que há um tesouro do Egipto Antigo, apenas descoberto agora, ao qual ele poderá
ter acesso – ou seja, trata-se de uma verdadeira sensação de privilégio.
Em
relação ao texto visual, existem aqui dois diferentes tipos de texto: um imaginário
evocado pela ilustração e um real representado pela fotografia. Em primeiro
plano temos o sumo, de tamanho hiperbólico em relação ao resto, sobrepondo-se
ao segundo plano, um contexto histórico em forma de cartoon – o ideal. Entre a fotografia real do sumo e o cartoon sobre o Egipto, há uma transferência
de ideias e referentes do ideal para o real, conferindo ao produto qualidades
excecionais. O facto de o produto surgir num tamanho hiperbólico, remete-nos
para a sua tangibilidade. Também é percetível no anúncio um eco visual em
relação à cor verde, presente nas goiabas e nas árvores: mais uma vez há um
apelo ao natural, ao saudável e ao ambiente (qualidades que o observador vai
desejar absorver ao consumir).
Em
relação ao texto verbal, a menção a “Edição Limitada” serve para suscitar uma
ação rápida no observador, para não perder a oportunidade de experimentar tão
grandioso tesouro dos faraós. Aqui também é relevante o apelo à sede – desejo básico
e vital do ser humano: o cenário por detrás é desértico e o próprio observador
poderá ficar com uma sede que antes de olhar para o anúncio não tinha. No que
toca a “1952. Clássico”, esta informação serve como um lembrete ao observador
que esta marca é de confiança e que já está presente nas nossas vidas há algum
tempo. Como argumentado em No Logo, a marca ao referenciar a sua
dignidade, está a lembrar aos consumidores a sua filosofia e reputação. Aqui
também é importante mencionar o uso do argumento “esta goiaba é diferente” para
que o observador a queira experimentar. Num mundo em que existem imensos
produtos iguais é importante as marcas lutarem pelo destaque, ao usarem o
argumento do “diferente e único”.
Concluindo, o anúncio apropria-se de uma das necessidades básicas
humanas mais importantes – a sede -, tentando dar credibilidade e relevância ao
produto pelo uso do conceito de “natural”, da apropriação mítica e histórica, e
pelo uso da diferenciação. Prima igualmente por criar uma transferência do
ideal (cartoon) para o real (sumo) e
pela tangibilidade que cria ao colocar o produto centrado, sobreposto e de
tamanho ampliado. Além disso, desperta ao observador a sensação de privilégio e
de glamour, por lhe garantir uma experiência digna de ser chamada tesouro. O
anúncio pede também um imediatismo no consumo ao afirmar que o seu produto é de
“edição limitada”.
Respondido por Ana Patrícia Kato Mestre - Nº52399
Grata pela partilha, Ana!
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