segunda-feira, 4 de maio de 2020

Consumo


Trago-vos um artigo da The School of Life, uma organização centrada em temas de sabedoria emocional e aprendizagem geral, rápida e concisa, focando desde movimentos artísticos e filosóficos, até pessoas de renome. Este projeto pretende oferecer ferramentas práticas para melhorarmos as nossas próprias vidas e modos de ver o mundo.
O artigo reflete sobre o consumo ao longo dos tempos desenvolvendo uma abordagem histórica, tal como faz Yanis Varoufakis ao explanar a evolução da economia em Talking to my Daughter about the Economy.
O artigo refere que a modernidade é única em comparação com outras épocas devido a uma nova atividade: comprar. De facto, desde o tempo do homo sapiens, a possibilidade de consumir além do objetivo de sobreviver é extremamente recente.
Na Europa, durante o século XII, o salário de um camponês tinha como único objetivo a alimentação. No século XVII desenvolveram-se novas técnicas de agricultura, o que levou à procura de manufaturas e ao crescimento do emprego. Depois, no início do século XVIII, os salários subiram consideravelmente, e produtos considerados de luxo tornaram-se mais acessíveis a um maior número de pessoas. A classe média emergente começou a comprar produtos mais sofisticados e em maior quantidade. Passados dois séculos, a revolução do consumo espalhou-se pelo mundo inteiro. Com serviços de correio cada vez mais eficazes, era possível a entrega rápida de produtos, que circulavam através de catálogos. Em 1882, Hermann Tietz abriu em Berlim o primeiro centro comercial, de aspeto magnificente, com o propósito de induzir os compradores numa espécie de transe (“designed to loosen shoppers´ hold on reality and induce them into a trance-like state”).


Lojas Tietz, Berlim, 1910
O poder de compra permitiu ascensão social e o proprietário de uma feira popular podia ser mais rico e viver melhor do que um imperador inca. Assim, o poder aquisitivo começou a sobrepor-se às regras de etiqueta e de boa educação.
Segundo a visão dos economistas, um país deve participar na compra e venda de produtos de consumo em grande escala para ser próspero, acrescentando ainda que a força e riqueza de uma nação está nos centros comerciais e nos catálogos de compras. A ideia será que o consumo massivo garante o pagamento de impostos para assegurar o bem-estar das classes mais baixas e permitir o investimento em escolas e em hospitais.
Contudo, é importante saber como gastar dinheiro de forma benéfica e consciente, embora os seres humanos tenham dificuldade em distinguir o que “necessitam” do que “desejam”, como já sublinhara Sócrates. Assim, para além do preço, o problema do consumo está intrinsecamente associado ao nosso autoconhecimento. O nosso estado de espírito está ligado ao modo como nos sentimos, por essa razão não se devemos ir às compras com fome, pois é provável que compremos mais do que aquilo de que realmente necessitamos.
A questão, segundo o argumento aqui apresentado, é que não sabemos o que nos traz prazer: “we are untrained amateurs in the art of making ourselves happy”. Acabamos, pois por viver numa gaiola de ideias-feitas. Sem sabermos o que realmente nos traz prazer, tendemos muitas vezes a sobrepor a quantidade à qualidade. Sendo consumidores e cidadãos, é de grande importância determinar em que é que gastamos o nosso dinheiro, porque as nossas decisões de consumo, juntamente com as de outros biliões de pessoas, vão moldar a sociedade e o modo como vivemos.
Há quem defenda, aliás, que talvez devêssemos dar menos valor ao capitalismo moderno, regressar a modos de vida mais simples e redescobrir a felicidade inerente ao ser humano. Só redescobrindo quem somos seria possível consumir de modo mais consciente. Dedicamos a maior parte da vida a ganhar dinheiro; porém,  talvez fosse melhor empregarmos o tempo a descobrirmos a nossa verdadeira identidade.
Quero terminar esta reflexão com uma frase de John Berger (no 4º episódio da série Ways of Seeing, disponível aqui), que reflete o paradoxo da sociedade de consumo, em que a publicidade nos convence que gastar nos trará um aporte extraordinário, quando, na verdade, acabamos é por ficar com menos dinheiro: “Publicity proposes to each of us in a consumer society that we change ourselves or our lives by buying something more. This ‘more’, publicity persuade us, will make us in some way richer, even though we will be poorer by having spent our money”.

Nuno Dias  

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