O orador desta conferência pretende gerar
no espectador uma alteração no modo como perceciona o mundo. São 18 minutos de
monólogo inspirado que reflete sobre essa protagonista que é a mente. A mente –
como todas as abstrações – tão impalpável e ao mesmo tempo tão real. A mente
que à nossa semelhança é capaz das mais belas coisas e paralelamente das mais
terríveis.
A mente mente? Esta é a interrogação que
subjaz a todo o discurso do orador.
A mente mente quando nos leva a crer
que estamos em défice para connosco. Correr é, portanto, o verbo que nos
ocorre; procurar no exterior, no futuro, essa ilusão de satisfação/plenitude
que mais não é do que um oásis ilusório. Aliás, essa procura do que
achamos necessário tende a preconizar todos os atropelos e a justificar as mais
vis ações.
O que se entende, então, por essencial
nesta busca desenfreada? A resposta a esta interrogação reside na fama, no
prazer, na segurança, no poder, na riqueza, no prestígio.
A mente mente quando identificamos que a
plenitude resulta da materialização dos conceitos anteriormente
enunciados. A mente mente ao entender que o essencial da vida está no
passado ou no futuro, negligenciando aquilo que se encontra no momento
presente, naquilo que somos e fazemos a cada instante.
A mente mente quando nos leva a crer que o
mundo é azul e/ou vermelho. Quando, porventura, estas cores são resultado das
lentes que subjazem aos nossos desejos e às expetativas com que percecionamos o
mundo.
A mente mente quando nos faz crer que
somos independentes, visto que a nossa dependência é flagrante. Dependemos do
contributo voluntário ou involuntário de milhões de seres. Esse apego material,
esse egoísmo leva-nos ao esquecimento do impacto do nosso consumo. Exemplo
disso é o vestuário importado – disponível nas grandes catedrais da moda – que
preconiza o trabalho escravo sobretudo de mulheres, mas também de homens e
crianças. O preço desta miopia ocidental é a cegueira efetiva de inúmeros
trabalhadores do oriente, que, por um salário miserável, trabalham sem direitos
e sem qualquer proteção, muitas vezes usando químicos altamente nocivos. A
cegueira destes escravos que suprem as “necessidades” ocidentais não é opcional,
antes uma condição de vida, por outro lado a nossa miopia é opcional, egoísta e
desumana.
Não se trata, porém, só daquilo que
vestimos, mas também daquilo que comemos. O impacto da dieta vigente é
devastador. Dezenas, centenas, milhares de milhões de animais são mortos em
autênticos campos de concentração. Vidas inteiras confinadas a espaços
diminutos sem possibilidade de movimento; animais sobrepostos que se
mutilam. Alimentamo-nos de animais torturados cuja carne é disfarçada com
antibióticos e hormonas que nos envenenam.
Aproximadamente 1/3 da população mundial –
2 milhões de pessoas – poderia ser alimentada com as leguminosas que servem de
alimentação ao gado para abate criado nos já referidos “campos de
concentração”. Esta dieta carnívora generalizada nos países desenvolvidos
utiliza 70% do solo arável para criação de animais, o que absorve enormes
reservas de água, esse recurso cada vez mais escasso.
A mente mente quando nos embelezamos à
custa de cosméticos testados em animais. Coelhos de olhos queimados são um dos
muitos males que esta ditadura da beleza provoca para que nas estantes das
conhecidas superfícies comerciais possa existir a variedade – tantas vezes
enganosa – destes produtos tão essenciais a tantos e a
tantas.
A mente mente quando entendemos as
touradas como uma marca identitária que pretendemos conservar. Quando levamos
as nossas crianças aos jardins zoológicos na expetativa de que o passeio seja
formador das mentalidades dos vindouros naquilo que deve ser o respeito pelos
seres vivos. Mente quando negligenciamos as condições insalubres em que cães e
gatos são mantidos nos canis.
A mente mente quando nos recusamos a
meditar sobre as deficiências de um sistema cada vez mais cruel, mais desigual.
A tomada de consciência de uma mente escravizada é o primeiro passo para a libertação.
É imperioso dirigir a atenção para nós mesmos, mesmo que isso seja
profundamente incómodo. Avançamos, obnubilados, sem nos interrogarmos dos
pensamentos que nos habitam.
Temos de nos des-iludir. Encarar a
des-ilusão como algo de positivo. Olhar para dentro e para fora e ser
consequentes com as nossas escolhas. Para que a mente se redima da sua mentira
não podemos continuar a avançar, destemidos, pensando que continuaremos
saudáveis num mundo doente (Homilia sem público, 27 de março de 2020).
Meditemos…
Nilton Fonseca
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