quarta-feira, 15 de abril de 2020

Análise de texto_Resposta-modelo 3

Neste pequeno excerto, John Berger apresenta uma das ideias-chave desenvolvidas ao longo de Ways of Seeing, nomeadamente, a relação intrínseca e promíscua entre publicidade e capitalismo.  Segundo o autor, toda a publicidade serve para promover o capitalismo, tendo como mensagem implícita o convite para um tempo futuro idealizado, retirando o consumidor do presente com a promessa de um amanhã melhor, proporcionado pelo produto anunciado. Esta projeção de um tempo distante e intangível é a principal estratégia discursiva do texto publicitário.
Para Berger, a roda viva da publicidade visa exatamente alimentar a máquina do neoliberalismo através da capacidade de incutir no consumidor uma insatisfação generalizada quanto ao seu modus vivendi presente, convencendo-o da premência em participar no fluxo de consumo desregrado, instituído e patrocinado pelas grandes corporações e construído unicamente em função dos seus interesses financeiros, sob a sombra permanente de não ser reconhecido pelos seus pares. Este efeito é conseguido pela publicidade com a projeção implícita da imagem que fazemos de nós próprios, num tempo futuro com o objeto prometido. Usurpando-nos o nosso amor próprio, a publicidade devolve-no-lo pelo preço do produto anunciado.
Assim, passamos a invejar esse nosso “eu futuro”, produto da inveja dos outros, e nisto consiste o glamour. Invejaremos o glamour, esse sentimento mercantilizado, destituído de qualquer valor experiencial e, portanto, impossível de ser alcançado. A perpetuação desta estratégia, ou seja, a razão pela qual as pessoas não deixam nunca de acreditar na publicidade e nas vãs promessas que esta continuamente nos oferece, é conseguida, segundo o autor, porque a veracidade da publicidade é avaliada não pelo real cumprimento das promessas, mas pela relevância das fantasias criadas no imaginário do consumidor, que nada têm a ver com o produto anunciado, mas sim com a sua imagem publicitária.
Segundo Berger, a democracia parece ter sido o campo propício para a disseminação deste conceito desprovido de qualquer vivência experiencial, nomeadamente, através da promessa contínua da felicidade individual que a própria democracia advoga como um direito universal.
Contudo, a solidão de ser invejado num futuro feliz enquanto objeto dos olhares dos seus pares, terá gerado a separação destes, fazendo do glamour a promessa frustrada da democracia. Alcançar essa felicidade, exige assim, segundo o autor, a necessidade de destruir o paradigma publicitário daquilo que queremos ser, o que será alcançável apenas através do derrube do capitalismo, que nos deixa impotentes e desempoderados, afastando-nos do tempo presente, com promessas recorrentes de satisfação a cada compra.
Tal só se conseguirá pela concretização do ideal de democracia que, segundo o autor, terá ficado a meio caminho com a associação, sustentada pela máxima do individualismo, entre os conceitos de democracia e capitalismo promovida pelas grandes corporações. E esse derrube só será possível pela desconstrução da ideia de naturalização.
De facto, só através da realização de juízos críticos que utilizem estratégias de desfamiliarização (desconstruindo o que nos é familiar), conseguiremos deixar de tomar como naturais as mensagens que nos são transmitidas desde a infância, através de narrativas que se perpetuam no tempo, suportadas por esta e outras estratégias que asseguram a indeterminação dos sentidos e a continuidade do establishement definido pelo poder económico. A publicidade usa e promove esse artefacto de continuidade da narrativa.
Entre essa e outras estratégias subjacentes às mensagens publicitárias, encontramos as já acima abordadas da obsolescência embutida ou planeada dos bens[1]; da ambiguidade generativa das mensagens publicitárias[2]; o recurso recorrente à sexualidade e ao glamour e à imagem projetada de felicidade na posse do bem; e também a mistificação[3] que muitas vezes é utilizada na promoção desses bens, com recurso a referências diretas ou indiretas a obras de arte, oferecendo a ideia de luxo, unicidade e valor cultural ao bem publicitado.
Pedro Penaguião

[1] Esta estratégia induz os consumidores a participarem no fluxo desregrado da economia, de forma a dinamizá-la com uma sua renovação permanente, ainda que desnecessária, através de uma produção exploratória da mão-de-obra dessas mesmas pessoas, que cedo foram familiarizadas com a ideia de alienar esse seu tempo presente, através da futura aquisição de um bem idealizado.
[2] Pelo facto de muitas vezes os anúncios não especificarem o que está a ser vendido, o consumidor projeta-se na narrativa associada aos mesmos.
[3] Segundo J. Berger, as imagens do passado terão sido mistificadas em função da pressão de uma minoria privilegiada em inventar uma história que permitisse justificar o papel da classe governante. Era assim antigamente com as obras de arte do passado, e é assim atualmente com a referência publicitária às obras do cânone artístico e cultural, com a transmissibilidade do significado e da autoridade das obras artísticas para o mundo publicitário.

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